BE759
Compartilhe:
Desmistificando a Contagem de Prazos no Código Civil[i]1 - Arruda Alvim* - Pablo Stolze Gagliano**
O Código Civil, em seu art. 2028, ao disciplinar a solução do conflito intertemporal de leis, especialmente no que tange aos prazos que já estavam em curso, e que foram reduzidos pelo novo diploma legal, dispõe que:
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
Este, sem dúvida alguma, é um artigo que merece a nossa mais detida atenção, para que não cheguemos a conclusões absurdas.
Uma análise mais acurada do referido diploma indicará que o legislador, em inúmeras de suas normas, reduziu os prazos anteriormente previstos na lei revogada, a exemplo do prazo prescricional máximo das pretensões de natureza pessoal, que foram reduzidos de 20 para 10 anos (art. 177, CC-16 e art. 205, CC-02), ou os prazos de usucapião, que diminuíram para 15 (usucapião extraordinário) ou 5 anos (usucapião ordinário).
A razão específica da norma sob comento consiste, precisamente, em resolver a intrincada questão referente à incidência da nova lei em relação aos prazos que, iniciados na lei anterior, ainda estejam em curso na data da vigência do novo Código, se forem por este reduzidos.
Um exemplo irá ilustrar a hipótese.
Imagine-se que um determinado sujeito haja cometido um ato ilícito antes da vigência do novo Código. Passados 12 anos, a vítima (credor) ainda não formulou em juízo, por meio da conhecida “ação ordinária de reparação civil”, a pretensão indenizatória contra o agente causador do dano (devedor).
Sob a égide do Código de 1916 pretensões pessoais indenizatórias prescreviam, como se sabe, no prazo máximo de 20 anos (art. 177, CC-16). Entrando em vigor a nova lei, que reduziu o prazo prescricional de 20 para 3 anos (art. 206, § 3°, V), pergunta-se: quantos anos restariam para se completar o prazo máximo, 8 (segundo a lei velha) ou 3 (segundo a lei nova)?
O nosso Código estabelece, como visto, que prevalecerá o prazo da lei anterior, ainda que mais dilatado, se, na data da entrada em vigor da lei nova, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
Pela expressão mais da metade, entenda-se: metade do prazo mais um dia, devendo-se advertir que, por se tratar de prazo de direito material, a sua contagem dar-se-á dia-a-dia.
Dessa forma, no exemplo supra, já havendo transcorrido 12 anos na data da vigência do novo Código, ou seja, mais da metade do tempo estabelecido pela lei anterior (10 anos), restarão ainda 8 anos para que se atinja o prazo prescricional máximo extintivo da pretensão indenizatória.
Por mais que se afigure estranho o fato de a lei revogadora reduzir o prazo para 3, e, ainda assim, remanescer o lapso de 8 anos, esta foi a opção do legislador, que entendeu por bem manter a incidência da lei superada, se já houvesse transcorrido mais da metade do tempo previsto.
No entanto, se somente houvesse transcorrido sete anos (menos da metade do prazo estabelecido pela lei revogada), fica claro que faltariam três a contar da vigência de lei nova.
Nesse sentido, WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, analisando o Código Civil Alemão, sugere que: “se a lei nova reduz o prazo de prescrição ou decadência, há que se distinguir: a) se o prazo maior da lei antiga se escoar antes de findar o prazo menor estabelecido pela lei nova, adota-se o prazo estabelecido pela lei anterior; b) se o prazo menor da lei nova se consumar antes de terminado o prazo maior previsto pela anterior, aplica-se o prazo da lei nova, contando-se o prazo a partir da vigência desta”.[ii]2 (grifamos).
A única conclusão a que o intérprete não deve chegar, na hipótese supra, é afirmar que a prescrição já havia se operado, sob pena de cometer o grave erro de imaginar que o Código estava vigente na data da consumação do ilícito. Ademais, estar-se-ia imprimindo uma retroatividade “astronômica” à lei nova, fulminando completamente a pretensão da vítima.
Tal aspecto poderia ter sido melhor explicitado pelo Código, estabelecendo-se um parágrafo único ao referido art. 2028, que realçasse a contagem do prazo menor, a partir da lei nova. Todavia, mesmo na falta deste dispositivo, a contagem do prazo menor, a partir da vigência do novo Código Civil, é imperativo lógico, derivado das mais comezinhas regras de direito intertemporal, dispensando profundas reflexões por parte do aplicador do direito.
* ARRUDA ALVIM é Desembargador aposentado do TJSP, Professor Titular da PUC – SP
** PABLO STOLZE GAGLIANO é Juiz de Direito (BA), Professor de Direito Civil da UFBA, da EMAB (BA) e do Instituto Jurídico Luiz Flávio Gomes (SP), Co-autor do Novo Curso de Direito Civil – Saraiva.
[i][1] Artigo desenvolvido a partir dos originais dos Comentários ao Código Civil (Forense) aos artigos 2028 a 2046, por PABLO STOLZE GAGLIANO, obra sob a coordenação cientifica do DR. ARRUDA ALVIM.
[ii][2] BATALHA, Wilson de Souza Campos, in Lei de Introdução ao Código Civil, cit. por GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo, in Novo Curso de Direito Civil, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 508.
Últimos boletins
-
BE 5863 - 03/07/2025
Confira nesta edição:
L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL: NÃO PERCA A OPORTUNIDADE DE FAZER SUA INSCRIÇÃO COM DESCONTO! | CPRI Apresenta: primeiro episódio da nova série de lives do IRIB será transmitido HOJE! | PQTA 2025: ANOREG/BR lança campanha “Indique e Inspire” | CRA do Senado Federal aprova PL que trata de compensação de déficit de Reserva Legal | CGJPI instala comissão para solucionar questões fundiárias e lança projeto piloto | ENNOR oferece curso de LGPD para Cartórios | L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL | 1º Congreso Nacional e Iberoamericano de Derecho Registral Inmobiliario | Regularização Fundiária e desmatamento ilegal – IRIB publica livro de Luiz Rodrigo Lemmi | Alguns apontamentos sobre os cadastros do imóvel rural na retificação de matrícula – por Bruno Drumond Gruppi e Rodrigo Elian Sanchez | Jurisprudência do CSMSP | IRIB Responde.
-
BE 5862 - 02/07/2025
Confira nesta edição:
L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL: Flaviano Galhardo convida interessados para participarem de evento histórico! | CPRI Apresenta: assista o vídeo de Caroline Ferri convidando interessados para participarem da live! | Marco Legal das Garantias: STF julga constitucionais procedimentos extrajudiciais previstos na Lei n. 14.711/2023 | Inscrições para o IX Prêmio RARES 2025 já estão abertas! | Concursos para Magistratura e Cartórios não poderão ser realizados na mesma data | ENNOR oferece curso de LGPD para Cartórios | L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL | 1º Congreso Nacional e Iberoamericano de Derecho Registral Inmobiliario | Cobrança de IPTU em imóveis com multipropriedade: alternativas legais e práticas – por Sâmia Ali Salman e Axl Wesley Menin Miucci | Jurisprudência do TJPR | IRIB Responde.
-
BE 5861 - 01/07/2025
Confira nesta edição:
L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL APRESENTARÁ TEMAS RELEVANTES E PALESTRANTES ESPECIALISTAS NOS ASSUNTOS! | Acesse todas as edições das coleções Cadernos IRIB e IRIB Academia | Lista final do PID 2025 será divulgada pelo ONR até 31 de julho | Concurso BA: Comissão Examinadora tratou de temas relacionados à organização do certame | Concurso CE: sorteios definem hoje ordem de Serventias e vagas para candidatos negros e PcDs | CPRI Apresenta: Tokenização de ativos imobiliários | L ENCONTRO DOS OFICIAIS DE REGISTRO DE IMÓVEIS DO BRASIL | 1º Congreso Nacional e Iberoamericano de Derecho Registral Inmobiliario | Aquisição de imóveis, passivos ambientais e suas repercussões – por Angelo Volpi Neto | Jurisprudência do STJ | IRIB Responde.
Ver todas as edições
Notícias por categorias
- Georreferenciamento
- Regularização fundiária
- Registro eletrônico
- Alienação fiduciária
- Legislação e Provimento
- Artigos
- Imóveis rurais e urbanos
- Imóveis públicos
- Geral
- Eventos
- Concursos
- Condomínio e Loteamento
- Jurisprudência
- INCRA
- Usucapião Extrajudicial
- SIGEF
- Institucional
- IRIB Responde
- Biblioteca
- Cursos
- IRIB Memória
- Jurisprudência Comentada
- Jurisprudência Selecionada
- IRIB em Vídeo
- Teses e Dissertações
- Opinião
- FAQ - Tecnologia e Registro
Últimas Notícias
- CGJPI instala comissão para solucionar questões fundiárias e lança projeto piloto
- CRA do Senado Federal aprova PL que trata de compensação de déficit de Reserva Legal
- PQTA 2025: ANOREG/BR lança campanha “Indique e Inspire”